‘A universidade pública faz 95% das pesquisas do Brasil’, diz sindicalista

Professora alerta que com os cortes na educação não será possível oferecer um ensino superior público de qualidade

Por LITZA MATTOS

06/05/19 – 03h00
Analise da Silva
Analise Silva é professora da UFMG e diretora do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de BH, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH)
Foto: Facebook/reprodução

A professora e sindicalista Analise Silva alerta que os cortes na educação vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos quatro anos e que, assim, não será possível oferecer um ensino superior público de qualidade. Nesta quinta-feira, a UFMG faz uma assembleia de docentes para decidir sobre sua adesão à greve nacional da educação no dia 15 de maio.

Como você avalia o cenário da educação brasileira?

Em quatro anos, a educação no Brasil teve uma redução nos investimentos da ordem de 56%, e os cortes só continuam. Verificando o dado da execução orçamentária na Secretaria de Orçamento Federal, o corte na UFMG é de R$ 264 milhões. Nos últimos quatro anos em que isso tem acontecido, o corte no país todo chega à casa de R$ 5, 7 bilhões.

Quais são os principais desafios para as universidades que a APUBH representa?

Manter a educação com qualidade social e excelência mesmo com os cortes acontecendo mais do que sistematicamente, intencionalmente. Não se trata de crise. Na verdade, isso é intencional. O objetivo é destruir a educação pública no país. Se, em 2014, o orçamento do ensino superior era de R$ 39 bilhões e, em 2018, passou para R$ 34 bilhões, a queda vai ser de 15%. Se agora tem mais um corte de 30%, isso significa sobre 2014 uma queda de muito mais do que 30%, conforme dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).

Quais devem ser os impactos de mais esse corte na UFMG?

Nós trabalhamos com ciência, tecnologia, inovação e educação. Pegando só a perspectiva da educação, acredito que seja possível explicar o processo. Quando se tem uma redução da verba para investimento na educação básica – o que aconteceu com a aprovação da emenda constitucional 95 em 2016 –, você tem, consequentemente, uma redução do número de estudantes da escola pública chegando até a educação superior pública porque, com certeza, os insumos necessários para que o professor da educação básica tenha realizado um trabalho de qualidade social foram escassos, e o trabalho desse profissional foi precarizado. Dessa forma, a gente tem estudantes chegando à graduação para fazer cursos que eles não gostariam de fazer. Então, eles acabam chegando à educação superior para trajetórias acadêmicas de formação profissional que lhes garantam algum bico, a sobrevivência mínima. Diante disso, você passa a ter, por partes desses estudantes, uma postura cada vez maior de desinteresse por disciplinas acadêmicas, de cunho teórico. Então você tem cada vez mais estudantes que, quando saem formados professores, vão demonstrar alienação enquanto trabalhadores da educação.

Por que essa alienação?

Porque cada vez mais o que ele (aluno) veio fazer aqui não era o que ele queria, mas o que foi possível. Esse é um processo que a gente vai vendo se aprofundar. Existe uma investida contra a educação pública. Fica evidenciado o tempo todo que não há, por parte do governo, nenhuma intenção de tratar com a necessária seriedade, com o necessário investimento, o cumprimento da legislação, tanto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) quanto do Plano Nacional de Educação, já aprovados anteriormente, para que se tenha uma educação pública democrática.

Quais seriam os impactos específicos na UFMG?

Não tem eficiência administrativa que dê conta de superar um corte desse tamanho, principalmente porque é algo que já vem acontecendo nos últimos anos de maneira mais drástica. A UFMG não vai ter como honrar pagamentos de serviços que são básicos (luz e água) e a gente não vai ter como adquirir suprimentos, insumos essenciais para laboratórios e salas de aula. Isso vai trazer enorme prejuízo para a formação dos graduandos, para as atividades de ensino, pesquisa e extensão junto às comunidades mais carentes, mais vulnerabilizadas social e economicamente. Essa medida vai provocar uma descontinuidade em tudo o que a gente vinha fazendo. Se já estávamos fazendo de maneira reduzida, agora nós vamos ter que parar de fazer.

Projetos importantes correm o risco de ficarem parados?

Vários. Nós somos pesquisadores, trabalhamos com isso, e temos uma produtividade que não pode ser questionada em função do que representa na vida do ser humano, do cidadão comum, no dia a dia. Por exemplo, nós acabamos de conseguir produzir um aplicativo que apoia jovens com deficiência intelectual na escola de enfermagem. Nós também produzimos o Museu da Matemática. Outro exemplo é o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), que reúne aproximadamente 600 estudantes de graduação, em parceria com redes públicas de ensino, para pensar novos caminhos e experiências para a formação dos professores. Isso tudo está correndo risco porque nós já temos informações, ainda não oficializadas, de que haverá cortes nas bolsas do Pibid por parte do MEC. A falta investimentos prejudica ainda o pronto-atendimento do Hospital das Clínicas da UFMG.

O que isso significa no curto e médio prazos para essas instituições e a pesquisa no Brasil?

Isso vai atingir despesas discricionárias, que são água, segurança, terceirizados, eletricidade, telefonia, internet. As universidades públicas respondem por 95% da pesquisa feita no Brasil, e o país é o 13° no mundo em produção acadêmica de publicações. As universidades públicas formam, educam, produzem remédios, vacinas, novos materiais, políticas públicas, e o orçamento já foi aprovado pelo Congresso, portanto, não pode ser cortado. Esse bloqueio coloca em risco a própria educação superior no país. Em 1988 a gente tinha 400 mil estudantes, hoje tem 1,2 milhão e, na contramão desse dado, o investimento por estudante vem diminuindo a cada ano. Essa ação coloca a perspectiva de um cenário de catástrofe.

O sindicato pretende tomar alguma medida em relação a isso?

Não tem como a APUBH não se envolver. A gente precisa buscar, de alguma forma, reverter esse quadro. Tirar a universidade desse lugar, evitar que os que pretendem destruir a educação pública tenham êxito. Não podemos permitir que isso aconteça. Nós teremos agora no dia 9 de maio, às 11h, na Escola de Engenharia da UFMG, uma assembleia dos docentes, para decidir sobre a adesão à greve nacional da educação no dia 15 de maio, assim como os estudantes e técnicos também terão.